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A PRESENÇA QUE FALTA: CONSEQUÊNCIAS DA AUSÊNCIA PARENTAL NA FORMAÇÃO DOS FILHOS

  • Foto do escritor: Paulo Garcia
    Paulo Garcia
  • 19 de ago.
  • 5 min de leitura
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Na nossa vida de educador, por vezes sentimos a falta de valorização salarial, sentimos a falta de recursos para proporcionar uma boa aula, sentimos carência de um ambiente escolar com estrutura física adequada. Mas se fôssemos perguntar a cada professor, a cada gestor, acredito que um apontamento unânime seria a falta da presença familiar na vida escolar dos alunos.

 

Porém, esse problema vai bem mais além. Essa ausência familiar não está restrita apenas a escola!

 

A ausência dos pais na vida dos filhos é um tema de grande complexidade e que atravessa dimensões sociais, emocionais, psíquicas e morais. Trata-se de uma ausência que não pode ser reduzida à mera distância física ou à falta de convivência. Muitas vezes, o que mais pesa não é a impossibilidade de estar presente em todos os momentos, mas a incapacidade de estar verdadeiramente disponível, de oferecer atenção, escuta e cuidado que estruturam o desenvolvimento humano. Em uma sociedade em constante transformação, em que a configuração das famílias é cada vez mais diversa e as exigências de sobrevivência ocupam grande parte do tempo dos responsáveis, essa discussão torna-se urgente. Afinal, os efeitos dessa ausência não se restringem ao âmbito privado: eles reverberam nas escolas, nas comunidades e, em última instância, na própria organização social.

 

É preciso reconhecer, antes de tudo, que a família atual, apresenta múltiplas configurações. Já não se pode falar apenas do modelo tradicional de pai, mãe e filhos. Existem famílias monoparentais, famílias recompostas, arranjos em que avós, tios ou outros parentes assumem a responsabilidade principal, além daquelas que se organizam por afinidade ou por escolha afetiva. Essa pluralidade, longe de ser um problema, é expressão da capacidade humana de se adaptar e de criar laços em diferentes circunstâncias.

 

O verdadeiro desafio não está na forma da família, mas na qualidade da relação entre adultos e crianças. Muitas vezes, pais ou responsáveis estão presentes fisicamente, mas ausentes afetivamente. Estão em casa, mas distraídos pelo cansaço, pelas preocupações financeiras ou até pelas telas. O tempo, nesse contexto, não pode ser medido em quantidade, mas em intensidade. Quinze minutos de atenção genuína, em que se escuta e se dialoga, podem ter mais impacto do que horas de convivência marcadas pela indiferença ou pelo silêncio.

 

Se por um lado há famílias desestruturadas por perdas inevitáveis, por outro cresce o número de crianças que se tornam órfãs de pais vivos. A expressão, dolorosa e contundente, reflete a realidade de filhos que têm pais biologicamente presentes, mas emocionalmente distantes. Esse afastamento pode ter origens diversas: abandono afetivo, desinteresse, dificuldade em lidar com a função parental, ou até mesmo a priorização de interesses individuais em detrimento da responsabilidade com os filhos.

 

As consequências dessa ausência são visíveis: insegurança, baixa autoestima, dificuldade em estabelecer vínculos saudáveis, carência afetiva que muitas vezes se manifesta em comportamentos desafiadores, indisciplina e busca por reconhecimento em grupos de pares, que nem sempre oferecem valores construtivos. Assim, o vazio deixado pela ausência parental tende a ser preenchido de forma desordenada, expondo crianças e adolescentes a riscos sociais e emocionais.

 

Do ponto de vista emocional, a ausência dos pais fragiliza a base da identidade infantil. A criança precisa de referências claras para se reconhecer no mundo. Precisa de um olhar que a valide, de uma voz que a oriente, de um abraço que lhe dê segurança. Quando esses elementos faltam, instala-se um sentimento de desamparo que pode se prolongar pela vida adulta. A insegurança nas relações, a dificuldade de confiar nos outros e até problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão, encontram aí terreno fértil. No aspecto psíquico, a ausência compromete a internalização de limites. É na relação com os pais ou responsáveis que a criança aprende a lidar com o “não”, a compreender a frustração como parte do crescimento e a desenvolver resiliência. Quando essa mediação não ocorre, há o risco de se formar sujeitos que não reconhecem regras, que rejeitam a autoridade e que confundem liberdade com permissividade.

 

Outro aspecto essencial é a dimensão moral. Crianças aprendem mais pelo exemplo do que pelo discurso. Palavras podem até instruir, mas são as práticas cotidianas que educam. Um pai ou uma mãe que cumpre seus compromissos, que respeita os outros, que demonstra empatia e solidariedade, ensina, silenciosamente, valores que permanecerão por toda a vida. Quando esse espelho moral não existe, a criança pode crescer sem referências sólidas, vulnerável a modelos superficiais oferecidos pelas redes sociais, pela mídia ou por grupos que reforçam comportamentos destrutivos.

 

É nesse ponto que a ausência dos pais se torna também um problema social: a escola, muitas vezes, é convocada a assumir um papel que não é seu. Professores e gestores, em meio à missão de ensinar conteúdos, se veem obrigados a agir como psicólogos, mediadores de conflitos e, em muitos casos, substitutos afetivos. Essa sobrecarga gera frustração: por mais empenho que tenham, jamais poderão suprir plenamente o espaço deixado pela família.

 

Um fenômeno que merece destaque é o aumento do número de pais jovens, muitas vezes adolescentes, que ainda não concluíram sua própria formação pessoal e educacional. A chegada de um filho, nesse contexto, representa uma ruptura brusca na trajetória de vida. O jovem, ainda em processo de construção de identidade, é convocado a exercer um papel para o qual não possui preparo emocional, financeiro ou social. Filho não vem com manual de instruções. A parentalidade é um aprendizado contínuo, feito de tentativas, erros e acertos. No entanto, ela exige uma postura de responsabilidade, atenção e cuidado que muitos jovens pais ainda não conseguem oferecer, seja pela falta de maturidade, seja pela ausência de uma rede de apoio. O resultado é que muitas dessas crianças acabam crescendo em um ambiente de instabilidade, em que os próprios pais estão em busca de orientação e ainda precisam aprender a lidar com a vida adulta. Essa realidade não deve ser vista com julgamento moral, mas com compreensão e políticas públicas de apoio. Jovens pais precisam de orientação, acompanhamento e suporte para que possam exercer seu papel com dignidade. Caso contrário, o ciclo da ausência tende a se repetir, perpetuando a desestrutura familiar.

 

No cotidiano escolar, os reflexos dessa ausência são evidentes. A indisciplina, muitas vezes, não é fruto de “má vontade” da criança, mas da falta de limites e referências em casa. O desinteresse pelos estudos, da mesma forma, pode estar ligado a carências emocionais não supridas. Professores se veem diante de alunos que não apenas precisam aprender conteúdos, mas que também buscam afeto, reconhecimento e orientação. Entretanto, a escola não pode (e nem deve) substituir integralmente a família. Sua função é complementar, não substituir. Quando a ausência dos pais se transforma em um problema estrutural, a escola se torna um espaço de resistência, mas também de sobrecarga. Muitos educadores relatam a sensação de estarem de “mãos atadas” diante de problemas de indisciplina que, no fundo, têm raízes no ambiente familiar.

 

Quando crianças crescem sem referências sólidas de afeto, cuidado e moralidade, a formação de sua identidade fica comprometida. E nenhuma instituição, por mais empenhada que seja, pode substituir plenamente o papel da família. A escola pode apoiar, orientar e oferecer espaços de acolhimento, mas não consegue suprir a experiência única de ser amado, reconhecido e guiado pelos próprios pais ou responsáveis.

 

Por isso, é urgente resgatar o sentido da parentalidade como presença significativa. Não se trata de ser perfeito, mas de ser referência. Não se trata de quantidade de tempo, mas de qualidade. E não se trata apenas de garantir a sobrevivência material, mas também de oferecer atenção, cuidado e exemplo. Afinal, filhos vêm com a necessidade inegociável de amor e presença.

 

Somente assim poderemos construir uma sociedade em que crianças e adolescentes cresçam mais seguros, confiantes e preparados para exercer, no futuro, a mesma responsabilidade com as próximas gerações.



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