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ESCOLA PÚBLICA TRADICIONAL, SIM SENHOR!

  • Foto do escritor: Paulo Garcia
    Paulo Garcia
  • 28 de mai.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 18 de jun.

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— Ah, se todas as escolas fossem como as militares... — diz, com entusiasmo quase nostálgico, o senhor de voz firme, camisa bem passada e um leve cheiro de naftalina ideológica.

Do outro lado da mesa, o gestor da escola pública tradicional apenas levanta os olhos, sem surpresa. Já ouviu essa ladainha antes, na reunião com pais, no grupo de WhatsApp da comunidade, na fila do banco, no discurso do vereador. Sempre tem alguém querendo transformar a escola pública num quartel.

— Como assim?, pergunta, já sabendo exatamente aonde aquilo vai dar.

— Ordem, disciplina, patriotismo! É disso que nossas escolas precisam! Chega de bagunça, chega de aluno gritando, professor desrespeitado, uniforme desleixado... Escola tem que ter comando, tem que formar cidadão com valores!

O gestor respira fundo. Como quem engole um copo de realidade amarga.

— Interessante... então o que falta à escola pública é comando? Só isso?

— Exato! Veja as escolas militares! Ninguém entra atrasado, ninguém fala sem autorização, ninguém contesta o professor. Respeito total. E o rendimento? Lá em cima! Um exemplo a ser seguido!

— Claro... mas só uma dúvida: você sabia que a escola militar pode simplesmente desligar o aluno que “não se encaixa”?

O senhor hesita.

— Ah, mas isso é exceção...

— Não, não é. Aluno com indisciplina? Sai. Família que questiona a rigidez? Adeus. Quer dizer... eles chamam isso de "adequação ao modelo", mas é exclusão com farda. Aqui na escola pública, a gente não escolhe quem vai estudar. A gente recebe todo mundo, do jeito que chega. E tenta, com o que tem, fazer acontecer.

O defensor da escola militar dá uma risada forçada.

— Mas veja bem... eles têm resultado. Os índices de aprovação, os dados do IDEB...

— Ah, os dados!, diz o gestor, teatralmente colocando a mão no peito. Sempre eles. O dado é a nova religião. Mas ninguém questiona como se chega a esses números. A escola militar é tipo restaurante gourmet: tem poucos clientes, atendimento personalizado, ingredientes selecionados e preço alto. A escola pública é self-service com prato de plástico e ainda querem que tenha o mesmo sabor.

— Mas lá funciona!

— Funciona. Porque tem investimento. Você já viu o orçamento de uma escola militar? Tem recurso garantido, segurança na entrada, prédio com estrutura adequada, laboratório equipado, uniforme pago. Agora compare com a escola pública: goteira na sala, ventilador que só gira se soprar junto, verba atrasada, funcionário que dobra jornada porque o quadro está incompleto. E mesmo assim, a gente se vira. Imagina só o que não faríamos com metade da verba de um colégio militar.

— Mas você está fugindo do ponto... o problema da escola pública é a bagunça, a ideologia!

— Ah, a ideologia!, repete o gestor, como quem escuta um velho disco arranhado. Sempre acusam a escola pública de doutrinar. Mas fazer aluno marchar em fila, cantar o hino nacional todos os dias, rezar antes das aulas, ouvir discursos patrióticos sobre o “cidadão de bem”... isso é o quê? Atividade cívica? Educação neutra? Ou só uma ideologia diferente daquela que tanto criticam?

O silêncio paira por alguns segundos.

— Olha, não me entenda mal. Disciplina é importante. Respeito também. E a escola pública precisa, sim, de apoio, de estrutura, de valorização. Mas não adianta querer resolver os problemas da educação com uma farda apertada e um regulamento severo. Educação é encontro. É escuta. É lidar com a diversidade, de vozes, de corpos, de histórias. A escola pública é o retrato da sociedade real. A militar é a fotografia de um ideal, editada, recortada, filtrada.

O senhor ajeita o colarinho da camisa. Parece buscar uma resposta, mas só encontra o vazio do próprio argumento.

— No fundo, sabe o que me incomoda?, continua o gestor. É ver que preferem criar ilhas de excelência para poucos, ao invés de fortalecer o continente inteiro. Investir pesado em meia dúzia de escolas militares enquanto centenas de escolas públicas estão caindo aos pedaços é escolher quem merece educação de qualidade, e quem merece se virar. Isso não é política educacional. Isso é abandono com verniz de eficiência.


O senhor enfim se cala. Talvez por cansaço. Talvez porque, no fundo, sabe que é verdade.

O gestor levanta, pega uma pasta surrada com relatórios, planejamentos e orçamentos. Vai para mais uma reunião, mais um pedido de verba, mais uma tentativa de convencer o sistema de que escola pública não é problema, é solução. Desde que a deixem respirar.

Enquanto isso, lá fora, alunos correm, gritam, brigam, riem, aprendem. Sem farda. Sem filtro. Mas com verdade.



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