QUANDO A EDUCAÇÃO DESAFINA
- Paulo Garcia
- 1 de jul.
- 6 min de leitura
Atualizado: 30 de jul.

Tem dois assuntos que gosto muito: Educação e Música. E, pensando no assunto, um sistema de ensino se assemelha muito a uma orquestra, em que cada educador do chão da escola (professores, gestores, equipe escolar) é como um músico responsável por seu instrumento, os estudantes representam a plateia que precisa ser tocada e envolvida, e o gestor municipal atua como maestro, coordenando ritmos, ajustando tons e garantindo que todos sigam a mesma partitura (já fiz algumas comparações entre esses temas – Educação e Música – em textos anteriores). Quando cada elemento cumpre bem seu papel, a educação se transforma em uma sinfonia harmônica que potencializa talentos, mas, se há desafinações, como falta de recursos, de formação ou de condições de trabalho, todo o conjunto perde sua força e a aprendizagem se torna dissonante.
A educação, pode ser retratada como uma grandiosa orquestra, capaz de entoar as mais belas sinfonias do conhecimento. No entanto, a realidade que se desenha é a de uma cacofonia desafinada, um lamento dissonante que ecoa pelos corredores das escolas e pelos gabinetes municipais. Nossos músicos, os educadores, são virtuosos em seus instrumentos, mas lutam para produzir uma melodia coesa, enquanto o maestro, o gestor público (pelo menos alguns deles), se desdobra para manter a orquestra em pé, mesmo que com partituras rasgadas e instrumentos enferrujados. Este cenário complexo é marcado por uma série de desafios interligados: a desvalorização salarial dos profissionais da educação, a gestão do FUNDEB, e a crônica fragilidade financeira dos municípios, que se veem em um constante cabo de guerra entre demandas crescentes e recursos minguantes. A promessa de uma educação de qualidade, tão presente nos discursos políticos, esbarra em uma realidade onde a sobrevivência e a resiliência se tornam as notas dominantes de uma sinfonia que clama por harmonia.
Imagine um músico talentoso, exímio, eficaz: esses são nossos educadores (infelizmente, não generalizando, é claro). Eles deveriam ser os solistas, a alma da orquestra, mas são, na verdade, os que mais vivem procurando uma valorização. A valorização salarial, essa nota tão esperada na partitura, é um solo que raramente é executado com a devida maestria. Discursos políticos, prometem um concerto de reconhecimento, mas a realidade é que muitos desses músicos precisam tocar em várias orquestras simultaneamente para compor uma sinfonia de sobrevivência ao final do mês. A saga do educador moderno frequentemente envolve uma maratona entre múltiplas escolas, uma caça desesperada por horas-aula que permitam, quem sabe, com alguma sorte e muitos malabarismos financeiros, que as contas fechem no fim do mês. Fechar as contas, veja bem, não significa prosperidade, mas a simples sobrevivência em meio a um orçamento que mais parece uma colcha de retalhos surrada.
O Piso Salarial Nacional do Magistério, que deveria ser para a afinação de todos os instrumentos, muitas vezes é ignorado por maestros municipais que, com ares de vítimas, alegam que o orçamento da orquestra está no vermelho. Mesmo quando cumprido, o valor, embora reajustado anualmente, muitas vezes mal cobre o básico, forçando a categoria a escolher entre pagar o aluguel ou investir na própria saúde mental e física, exaurida por jornadas duplas ou triplas, pressão constante, cobranças incessantes e a nobre missão de educar em condições, por vezes, precárias.
Os gestores escolares, diretores e coordenadores, não ficam atrás nessa obra macabra. Promovidos, em tese, para liderar e inspirar, veem suas responsabilidades se multiplicarem exponencialmente enquanto seus salários sofrem perdas reais ou estagnação. A equação é cruel: mais trabalho, mais estresse, mais cobranças por resultados milagrosos, menos reconhecimento financeiro. O resultado? Profissionais adoecidos, gastando o pouco que sobra (se sobra) em consultórios médicos e farmácias, tentando remendar a saúde que a própria profissão insiste em deteriorar. A diferença entre o salário de quem está na gestão e de quem está na sala de aula diminui a cada reajuste do piso em muitos municípios, criando um cenário onde a gestão, antes vista como um degrau na carreira, torna-se um fardo mal remunerado. É a meritocracia às avessas: quanto mais responsabilidade, menos reconhecimento financeiro. Uma lógica perversa, mas que, infelizmente, se tornou a norma em muitos cantos do nosso Brasil. Afinal, quem precisa de um salário justo quando se tem a nobre missão de educar? Será que não teremos nos próximos anos uma crise de gestores? Afinal, aqueles que assumem esses cargos querendo fazer a diferença, desejando mudanças, veem-se engessados, sobrecarregados e mal valorizados pelo sistema, ou aqueles que assumem esses cargos apenas por um status (que não existe!), também acabam se frustrando rapidamente (a não ser quando põem-se como figuras decorativas na escola, aí, esses ainda conseguem sobreviver ao sistema).
Continuando sobre as partituras complexas, entramos na seção do FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação). Ele deveria ser a grande composição que rege o financiamento da orquestra da educação. Na teoria, é a garantia de que todos os instrumentos terão suas cordas e palhetas. Na prática, é uma partitura tão intrincada que muitos maestros municipais mal conseguem decifrar, e o dinheiro mal dá para comprar as baquetas mais básicas. O FUNDEB, essa fonte de esperança, muitas vezes se transforma em um balde furado nas mãos dos gestores municipais. A promessa de custeio da educação se esvai quando a realidade bate à porta: a folha de pagamento, inchada por anos de gestões questionáveis e, sejamos francos, pela necessidade de manter um mínimo de funcionalidade, consome a maior parte dos recursos. Sobra o quê (quando sobra)? Muito pouco. Muito pouco para aquisições, para reparos (que se transformam em remendos), para valorização. É a velha história do cobertor curto: cobre a cabeça e descobre os pés, ou vice-versa. E, no caso da educação, os pés são a infraestrutura, o material didático, a formação continuada, e a cabeça... bem, a cabeça são os salários, que mesmo assim, mal se sustentam.
A situação financeira de muitos municípios é uma sinfonia à parte. Com orçamentos apertados, a dependência do FUNDEB é quase total. E agora, com o novo FUNDEB e suas condicionalidades, a trama se complica. Aquelas complementações da União, que antes eram um alívio, agora vêm com algumas condições (que não deixam de serem justas): Cumprir metas, apresentar resultados, ter transparência, entre outras. A tendência, claro, é que muitos desses municípios, já à beira do colapso financeiro, acabem perdendo essas complementações, mergulhando ainda mais na falência do sistema educacional. A Confederação Nacional de Municípios (CNM) já alertou sobre as dificuldades, a queda na arrecadação impactando os repasses do Fundo, as complexas regras do Novo Fundeb gerando entraves, e a dura realidade de que muitos municípios, pasmem, perdem recursos com o sistema que deveria ajuda-los.

A saúde financeira dos municípios é um capítulo à parte nessa ópera. Com receitas muitas vezes dependentes de repasses estaduais e federais, e uma capacidade de arrecadação própria limitada, as prefeituras vivem em um constante cabo de guerra entre as demandas crescentes e os recursos minguantes. A educação, por ser uma área de gasto obrigatório e de grande impacto social, torna-se um dos principais alvos da tesoura orçamentária quando a situação aperta. Em 2024, os municípios brasileiros somaram um déficit de R$ 32,6 bilhões, com 54% das prefeituras fechando o ano no vermelho. É evidente que a seção da educação, nesse cenário, é uma das primeiras a sentir o aperto. Os instrumentos desafinados, o palco caindo aos pedaços, a falta de treinamento para os músicos e a obsolescência dos equipamentos são apenas alguns dos sintomas dessa doença crônica que assola a orquestra educacional. E, claro, a culpa é sempre da "crise", da "conjuntura econômica desfavorável" ou da "herança maldita" (em alguns casos, pode ser mesmo).
O inchaço da folha de pagamento é um outro problema real, que precisa ser analisado com a devida seriedade com que o assunto merece. É resultado de combinação de estrutura de rede mal dimensionada, decisões políticas sem planejamento fiscal, planos de carreira pouco sustentáveis e limitações de receita municipal. E não nos esqueçamos da infraestrutura dessa complexa orquestra. Teatros caindo aos pedaços, sem acústica adequada, com assentos dignos de museu e sem recursos para formação continuada dos músicos. É a triste realidade de muitos municípios que, mesmo com o FUNDEB, não conseguem reverter anos de descaso e subinvestimento.
A priorização da educação nas campanhas políticas, que soa como música aos ouvidos dos educadores, acaba não saindo do papel. É a promessa vazia, o conto de fadas que nunca tem um final feliz. Será que ainda teremos uma educação e valorização pregadas em campanhas políticas? A pergunta é retórica, quase um lamento. Porque, no fundo, a educação, para muitos, é apenas um palanque, um tema que rende votos, mas que, na prática, é relegado ao segundo plano.
No fim das contas, a educação brasileira é um espelho da nossa sociedade: complexa, cheia de contradições e com um potencial imenso, mas muitas vezes subaproveitado. Os educadores, continuam na linha de frente, lutando por um futuro melhor para as próximas gerações. Nos resta a esperança de que, um dia, o roteiro mude, e o aplauso, ah, o aplauso seja merecido e, principalmente, acompanhado de um salário digno. Um brinde à resiliência, e quem sabe, à esperança de que a educação, um dia, seja realmente prioridade, e não apenas um tema de campanha eleitoral, mas a mais bela sinfonia já composta.
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